ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00026/2016/DECOR/CGU/AGU
NUP: 64539.000917/2014-22
INTERESSADOS: UNIÃO - 3º GRUPO DE ARTILHARIA ANTIAÉREA - 3º GAAAE
ASSUNTOS: LICITAÇÕES
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. LICITAÇÕES SUSTENTÁVEIS. EXIGÊNCIA DE CRITÉRIOS E PRÁTICAS DE SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS. CADASTRO TÉCNICO FEDERAL DO IBAMA. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO E REGULARIDADE. DESTINATÁRIOS. FABRICANTES E FORNECEDORES.
1. A dimensão objetiva do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto na Constituição Federal (art. 225, caput) e em tratados internacionais, bem como a natureza propter rem das relações jurídico-ambientais atinentes à transferência de titularidade de coisas, permitem concluir que a Administração tem o dever constitucional de exigir os critérios de sustentabilidade socioambiental nas contratações públicas, entre eles o registro no Cadastro Técnico Federal, acompanhado do respectivo Certificado de Regularidade, nos termos da Lei nº 6.938/81 e da Instrução Normativa nº 6/2013, do IBAMA.
2. Os critérios e práticas de sustentabilidade podem ser exigidos como critério de aceitabilidade da proposta (v.g. especificação técnica do objeto, obrigação contratual) ou enquanto requisito de habilitação, a depender da situação jurídica. Nesta última hipótese, com espeque na Lei nº 8.666/93, devem contar com previsão normativa em leis esparsas, consoante os arts. 30, IV, e 28, V, constatada a ligação com o objeto contratado e, ainda, observar os princípios da isonomia, proporcionalidade e competitividade;
3. Nessa ordem de ideias, é constitucionalmente adequado exigir dos licitantes que apresentem a comprovação da inscrição e da regularidade dos fabricantes junto ao CTF do IBAMA, observados os atos normativos que impõem o cadastro no referido banco de dados, com todas as consequências correspondentes.
4. O Guia Prático de Licitações Sustentáveis da CJU/SP é relevante instrumento acerca da matéria, apto a orientar o público acerca da exigência de inscrição e regularidade no CTF do IBAMA, especialmente acerca do seu enquadramento como critério de aceitabilidade de proposta ou, em outro viés, enquanto requisito de habilitação.
5. Os argumentos contrários a exigências dessa natureza em face não só de fabricantes, mas igualmente dos licitantes, devem ser submetidos ao crivo do princípio da proibição do retrocesso ambiental, à luz do caso concreto, porquanto a mitigação da proteção ambiental induz presunção de inconstitucionalidade, salvante as justificativas técnicas e jurídicas que se coadunem com os discursos constitucional e internacional, observado o postulado normativo da proporcionalidade e, eventualmente, a concordância prática.
(COD. EMENT. 23.5)
Excelentíssimo Coordenador-Geral de Orientação,
I. RELATÓRIO
Os autos revelam, originariamente, processo de licitação instaurado no âmbito do 3º Grupo de Artilharia Antiaérea do Exército Brasileiro, para formação de registro de preços e eventual contratação de equipamentos de informática. A controvérsia cinge-se à análise da juridicidade da exigência em face de licitantes para apresentar a regularidade de fabricantes de produtos no Cadastro Técnico Federal do IBAMA, tendo em vista que a atividade de fabricação ou industrialização demanda cadastro regular da sociedade empresária.
Com fulcro no art. 50, § 1º, da Lei nº 9.784/99, será reutilizado, substancialmente, com ligeiras alterações, o relatório constante dos autos, elaborado pelo Excelentíssimo Advogado da União Dr. Victor Ximenes Nogueira, que bem relata a controvérsia.
Desse modo, através do Despacho nº 02538/2015/CJU-RS/CGU/AGU – seq. 6, a douta Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande Sul aprovou o Parecer nº 2425/2015/CJU-RS/CGU/AGU – seq. 5, e solicitou a atuação deste Departamento para a respectiva uniformização da jurisprudência administrativa, uma vez que a aludida manifestação expressa entendimento contrário àquele exposto no Parecer nº 2492/2013/TVB/CJU-SP/CGU/AGU – seq. 5 “doc. 02”, exarado pela Consultoria Jurídica da União no Estado de São Paulo.
Por outro lado, no Ofício nº 24-SALC/3ºGAAAE – seq. 4, o 3º Grupo de Artilharia Antiaérea encaminhou à CJU/RS questionamento de um particular interessado, no qual, em síntese, consta indagação sobre a correção do entendimento no sentido de que “É juridicamente justificável a exigência de regularidade no Cadastro Técnico Federal do IBAMA do fabricante de produtos, cuja atividade de fabricação ou industrialização demanda cadastro regular da empresa”.
Foi consignado, ainda, que o Guia Prático de Licitações Sustentáveis, disponibilizado pela CJU/SP, apenas exige a regularidade no CTF da sociedade empresária fabricante, e não do licitante interessado. Assim, questiona se está correto o entendimento segundo o qual "Para os fins enquadrados no Anexo II da Instrução Normativa IBAMA nº 31, de 03/12/2009, será exigido do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar que apresente ou envie imediatamente, sob pena de não aceitação da proposta, o Comprovante de Registro do fabricante do produto no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, acompanhado do respectivo Certificado de Regularidade Válido”. Com efeito, fora consultada a CJU/RS sobre a “necessidade de documento para aceitabilidade da proposta” e sobre a “obrigatoriedade de ser cobrado dos licitantes tal documento”.
Em resposta à consulta, foi exarado o r. Parecer nº 2425/2015/CJU-RS/CGU/AGU – seq. 5, onde restou assentado, dentre outras razões, que o Cadastro Técnico Federal/CTF está previsto na Instrução Normativa IBAMA nº 06, de 2013; que há previsão legal de que as atividades de produção e comercialização potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais estão sujeitas ao CTF; que a Lei nº 6.938, de 1981, exige o CTF de fabricante de produtos de informática; que, no caso concreto em apreciação, a inscrição no CTF deve ser exigida apenas de fabricantes, não abrangendo os fornecedores dos equipamentos de informática; que, em outra diretriz, o Guia Prático de Licitações Sustentáveis da CJU/SP exige, nas hipóteses dos produtos relacionados no Anexo II da IN IBAMA nº 31, de 2009, que o fabricante esteja regularmente inscrito no CTF e, na fase de julgamento da proposta e avaliação de sua aceitabilidade, o licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar é quem deve apresentar o comprovante de que o fabricante do produto está inscrito no CTF, acompanhado de certificado de regularidade válido; e, por fim, a possibilidade de o pregoeiro buscar o referido certificado junto ao sítio eletrônico do IBAMA.
A CJU/SP, de outra banda, exarou o Parecer nº 2492/2013/TVB/CJUSP/CGU/AGU – seq. 5, onde pontuou que se a legislação ambiental não exige o CTF, é vedado exigir tal providência do licitante. Desse modo, no entender da CJU/SP, apenas seria exigível o CTF caso o bem esteja arrolado como atividade potencialmente poluidora pelo Anexo VIII da Lei nº 6.893, de 1981, ou pelo Anexo I, da IN IBAMA nº 6, de 2013, ou, ainda, contar com previsão em outra norma específica. Ademais, concluiu a CJU/SP que “nas situações nas quais a legislação ou norma ambiental não exigem que o licitante detenha o Cadastro Técnico Federal, é vedado inserir qualquer exigência no edital de aquisição de bem, por extrapolar a legalidade”. No entender da CJU/SP, portanto, o licitante não tem o dever de demonstrar que o fabricante do produto por ele fornecido encontra-se regular junto ao CTF.
Nesse contexto, discorda a CJU/RS do entendimento da CJU/SP, ao consignar que “não pode a Administração adquirir produto cuja fabricação deu-se em discordância com as normas ambientais”. Para confirmar o seu entendimento, cita o Parecer nº 13/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU – seq. 5 doc. 3, da Câmara Permanente de Licitações e Contratos da Procuradoria-Geral Federal, segundo o qual não se exige a regularidade do licitante (mero fornecedor) junto ao CTF, mas sim do fabricante do produto; e, quanto à crítica de que esta exigência corresponderia a conduta de terceiros, consigna a PGF que o próprio pregoeiro ou o licitante interessado, em consulta ao sítio eletrônico do IBAMA, poderão obter o certificado de regularidade do fabricante junto ao CTF.
Nestes termos, a celeuma, ao que parece, reside na possibilidade jurídica de se exigir que o licitante (não fabricante do produto), provisoriamente classificado em primeiro lugar no certame, demonstre, para fins de aceitabilidade de sua proposta, que o fabricante do produto a ser fornecido possui Comprovante de Registro no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, acompanhado do respectivo Certificado de Regularidade Válido.
A bem da regular instrução dos autos, e no estrito uso da competência conferida pelo inciso II do art. 14 (Anexo I), do Decreto nº 7.392, de 2010, foram solicitadas informações à douta Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão acerca da divergência ora em apreciação. Esta unidade consultiva, por sua vez, entendeu pela legalidade da exigência - em face do licitante e a título de critério de aceitação do objeto da licitação - de apresentação do Certificado de Regularidade de inscrição no CTF/APP do fabricante, relativamente aos produtos cujo processo produtivo seja considerado atividade potencialmente poluidora e utilizadora de recursos ambientais, com fundamento no art. 170, VI, da CF/88, na Lei nº 8.666/93, na Lei nº 6938/81 e na Instrução Normativa IBAMA nº 06, de 2013.
A acurada análise da instrução destes autos revela que está caracterizada a divergência de entendimento jurídico entre a Consultoria Jurídica da União do Estado de São Paulo (Parecer nº 2492/2013/TVB/CJUSP/CGU/AGU – seq. 5) e a Consultoria Jurídica da União no Estado do Rio Grande do Sul (Parecer nº 2425/2015/CJU-RS/CGU/AGU – seq. 5), esta advogando entendimento que também é adotado pela Procuradoria-Geral Federal (Parecer nº 13/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU – seq. 5).
II. FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, cumpre asseverar que a preservação do meio ambiente tem assento constitucional, o que implica a observância dos dispositivos constitucionais, legais e infralegais que predeterminam obrigações de cunho socioambiental e de acessibilidade, inclusive no bojo de licitações que envolvam obras, serviços, compras, alienações, cessões, entre outros objetos.
Tendo em vista a controvérsia jurídica instalada, é relevante enfatizar os seguintes enunciados de quilate constitucional:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
[...]
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados
Nesse contexto, a Constituição da República reconhece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, de terceira dimensão, social, coletivo e transindividual. Nos termos da doutrina do Prof. Frederico Amado, "o bem ambiental é autônomo, imaterial e de natureza difusa, transcendendo à tradicional classificação dos bens em públicos (das pessoas jurídicas de direito público) e privados, pois toda a coletividade é titular desse direito (bem de uso comum do povo)” (AMADO, Frederico. Direito Ambiental. 2012, p. 24). Como direito fundamental, emana e gravita em torno da dignidade da pessoa humana, a ponto de muitos defenderem o princípio da vedação ao retrocesso ambiental.
O Prof. Walter Claudius Rothenburg preleciona que meio ambiente deve ser considerado como direito materialmente constitucional, por ser direito humano, tendo em vista estar vinculado à saúde, à democracia (na perspectiva da informação e participação), à cultura, ou até mesmo enquanto bem jurídico dotado de autonomia.
Enquanto direito humano, o Estado tem a obrigação de garantir o exercício, tal como previsto no artigo 1.1 da Convenção Americana, a ensejar a organização de estruturas e procedimentos capazes de prevenir, investigar e punir toda violação, pública ou privada, de direitos dessa natureza. O dispositivo realça a dimensão objetiva dos direitos humanos e o entendimento encontra respaldo na Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso Velásquez Rodriguez x Honduras, CIDH), segundo a qual o dever de prevenção obriga os Estados a adotarem todas as medidas para que eventuais violações a esses direitos sejam consideradas e tratadas como um fato ilícito, que enseja a punição de quem as cometa.
Já há quem inclua - na órbita internacional - a proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento sustentável na categoria de normas de jus cogens, a exemplo do Prof. Paulo Henrique Gonçalves Portela:
O rol das normas de jus cogens não é expressamente definido por nenhum tratado. Aliás, nem mesmo a Convenção de Viena de 1969 fixa essas normas, limitando-se a proclamar sua existência e seu caráter de princípios e regras que restringem a capacidade de celebrar tratados dos Estados e das Organizações Internacionais.
[...]
Dentre as normas de jus cogens encontram-se aquelas voltadas a tratar de temas como Direitos Humanos, proteção do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento sustentável, paz e segurança internacionais, Direito de Guerra e Direito humanitário, proscrição de armas de destruição em massa e direitos e deveres fundamentais dos Estados. (PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Ed. 2011, p. 81)
A Constituição brasileira foi incisiva quanto à proteção que se deve dar ao meio ambiente, a ponto de prever consequências penais. Com efeito, "a origem imediata do texto brasileiro (artigo 225, §3º, CF) deita suas raízes na parágrafo 3º do artigo 45 da Constituição espanhola, que foi a primeira a consagrar de maneira clara e expressa em seu corpo a proteção penal do ambiente, como mandado de criminalização de segunda geração" (PRAZO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente, 5ª ed., p. 80). Por outro lado, o artigo 170, da Carta Magna, ao estabelecer os princípios que regem a atividade econômica, predeterminou a observância da livre concorrência e a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
Isso demonstra que deve haver um equilíbrio entre o exercício da atividade econômica e a preservação do meio ambiente, a culminar no desenvolvimento sustentável. Dito de outra forma, deve haver harmonia entre os aspectos sociais, ambientais e econômicos, a fim de homenagear o princípio constitucional da sustentabilidade.
Nunca é demais repisar que a Constituição de 1988 é dirigente ou programática, o que vai além de organizar o Estado e elencar direitos negativos limitadores do exercício dos poderes estatais. Logo, prevê direitos positivos e estabelece metas, objetivos, programas e tarefas a serem perseguidos pelo Estado e pela sociedade. Como bem explica o Prof. Daniel Sarmento, "a Constituição brasileira se reveste de uma forte dimensão prospectiva, na medida em que define um “horizonte de sentido”, que deve inspirar e condicionar a ação das forças politicas". Como bem apontou o renomado constitucionalista,
A Constituição de 1988 se imiscui na disciplina de questões como o funcionamento da economia, as relações de trabalho, a família e a cultura, que não dizem respeito (apenas) as formas e limites para o exercício do poder politico. Além de regular diretamente vastos domínios da vida social, a Constituição contem princípios e valores fundamentais que devem ser tomados como nortes na interpretação de toda a ordem jurídica e ensejar uma releitura dos institutos e normas do ordenamento infraconstitucional. Em outras palavras, as características da Constituição de 88 — tanto o seu caráter analítico, como a sua riqueza axiológica — propiciam o desenvolvimento do fenômeno da constitucionalização do Direito, que suplanta clivagens tradicionais, como as que separam o Direito Publico do Direito Privado, e o Estado da sociedade civil” (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 172).
Na esfera internacional, recentemente o Tribunal Penal Internacional reconheceu o "ecocídio" como crime contra a humanidade. Valérie Cabanes, do movimento End Ecocide On Earth (Pelo fim do ecocídio na Terra), explica que “A ideia de ecocídio existe há 50 anos e foi evocada pela primeira vez quando os americanos usaram dioxina nas florestas durante a Guerra do Vietnã. Agora queremos reviver essa ideia que considera que atentar gravemente contra ciclos vitais para a vida na Terra e ecossistemas deve ser considerado um crime internacional". E arremata:
Trabalhamos em 2014 e 2015 num projeto de alteração do estatuto do TPI, onde definimos o crime do ecocídio, explicando que como hoje vivemos uma grave crise ambiental - com extinção de espécies, acidificação dos oceanos, desmatamento massivo e mudanças climáticas - atingimos vários limites planetários. Daí ser necessário regular o direito internacional em torno de um novo valor, o ecossistema da terra, e nós defendemos esta causa junto aos 124 países signatários do Tribunal Penal Internacional.
No âmbito infraconstitucional, vislumbra-se a pertinência do disposto na Lei nº 8.666/93, ainda que bastante tímida quanto ao meio ambiente:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se:
[...]
IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:
Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos:
[...]
VII - impacto ambiental.
Art. 24. É dispensável a licitação:
XXVII - na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública.
A Lei nº 6.938/81, anterior à própria Lei de Licitações, ao dispor sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, exigiu o registro de pessoas físicas e jurídicas (art. 17) - no Cadastro Técnico Federal (CTF) - que se dedicam a atividades e instrumentos de defesa do meio-ambiental, bem como a atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais .
Ademais, foi estabelecida a TCFA, taxa baseada no exercício do poder de polícia pelo IBAMA, para fins de controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais (art. 17-A), além da previsão de outras obrigações acessórias (art. 17-B).
No mesmo sentido, foram editados outros diplomas legislativos, tais como a Lei nº 12.349, de 2010, que explicitou a necessidade de desenvolvimento nacional sustentável, as Leis nº 12.187/09 (Política Nacional sobre Mudança do Clima) e n.º 12.305/10 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), que contribuíram ainda mais a defesa ambiental, entre outros preceitos legais esparsos.
O Superior Tribunal de Justiça, formalmente responsável pela uniformização da interpretação acerca da legislação federal, tem avançado no âmbito da proteção ao meio-ambiente, especialmente ao tratar de responsabilização, punições e reparos aos ecossistemas. Na esfera criminal, por exemplo, não é mais necessária a dupla imputação (pessoa jurídica e pessoa física), assim é "penalizado aquele que, na condição de diretor, administrador, membro do conselho e de órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário da pessoa jurídica, tenha conhecimento da conduta criminosa e, tendo poder para impedi-la, não o fez".
Na esfera cível, “a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar”. Além disso, entendeu que as penas de multa (baseadas na Lei nº 9.605/98) não necessitam de advertência prévia; é possível a inversão do ônus da prova nas demandas de dano ambiental, a beneficiar o meio ambiente; e, mais além, que “o dever de reparação independe de culpa do agente e se aplica a todos que direta ou indiretamente teriam responsabilidade pela atividade causadora de degradação ambiental”.
Ainda nessa seara, permite a desconsideração da personalidade jurídica, a possibilitar o sequestro de bens para garantir o pagamento de multas e sanções decorrentes de sentença em litígios sobre crimes ambientais. Por fim, consolidou o entendimento de que não existe direito adquirido para degradar ou poluir, ou seja, titulares de áreas preservadas/protegidas têm a obrigação de reparar o meio ambiente, mesmo quando não foram os agentes responsáveis pela degradação, sendo despiciendo demonstrar sua culpa ou nexo causal.
No plano infralegal, cumpre mencionar que o Decreto nº 7.746/12, ao regulamentar o art. 3º da Lei nº 8.666/93, insistiu na obrigatoriedade das exigências de sustentabilidade ambiental nas contratações públicas, desde que preservados os princípios constitucionais e administrativos (v.g. isonomia, caráter competitivo). Na mesma linha, a instrução Normativa nº 1, de 2010, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que defende as exigências de sustentabilidade ambiental previstas nos editais das licitações, desde não frustre a competitividade:
Art. 1ºNos termos do art. 3ºda Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, as especificações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras por parte dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas.
Art. 2ºPara o cumprimento do disposto nesta Instrução Normativa, o instrumento convocatório deverá formular as exigências de natureza ambiental de forma a não frustrar a competitividade.
Art. 5ºOs órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, quando da aquisição de bens, poderão exigir os seguintes critérios de sustentabilidade ambiental:
I – que os bens sejam constituídos, no todo ou em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável, conforme ABNT NBR – 15448-1 e 15448-2;
II – que sejam observados os requisitos ambientais para a obtenção de certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO como produtos sustentáveis ou de menor impacto ambiental em relação aos seus similares;
III – que os bens devam ser, preferencialmente, acondicionados em embalagem individual adequada, com o menor volume possível, que utilize materiais recicláveis, de forma a garantir a máxima proteção durante o transporte e o armazenamento; e
IV – que os bens não contenham substâncias perigosas em concentração acima da recomendada na diretiva RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances), tais como mercúrio (Hg), chumbo (Pb), cromo hexavalente (Cr(VI)), cádmio (Cd), bifenil-polibromados (PBBs), éteres difenil-polibromados (PBDEs).
§ 1ºA comprovação do disposto neste artigo poderá ser feita mediante apresentação de certificação emitida por instituição pública oficial ou instituição credenciada, ou por qualquer outro meio de prova que ateste que o bem fornecido cumpre com as exigências do edital.
§ 2ºO edital poderá estabelecer que, selecionada a proposta, antes da assinatura do contrato, em caso de inexistência de certificação que ateste a adequação, o órgão ou entidade contratante poderá realizar diligências para verificar a adequação do produto às exigências do ato convocatório, correndo as despesas por conta da licitante selecionada. O edital ainda deve prever que, caso não se confirme a adequação do produto, a proposta selecionada será desclassificada.
É importante sublinhar, ainda, que o Decreto nº 7.746/12 estabeleceu critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela Administração Pública Federal, afora ter instituído a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP.
Não por outra razão, o Tribunal de Contas da União tem determinado que as especificações para a contratação de serviços e obras contenham critérios de sustentabilidade. Além do extenso rol de recomendações constantes do Acórdão nº 1752/11-Plenário, confira-se o trecho da decisão a seguir:
Os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão de 2ª Câmara, ACORDAM, por unanimidade (...)
1.5.1. dar ciência à Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal no Piauí, que:
1.5.1.1. no âmbito da administração pública federal, direta, autárquica e fundacional, tanto em face do disposto no art. 3º da Lei 8.666/93, quanto da IN/MPOG 1, de 19/1/2010, as especificações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras, deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, atentando-se para os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas que deram origem aos bens ou serviços a serem contratados;
4.2. o descarte de resíduos recicláveis pelos órgãos da administração pública federal, direta e indireta, deve ser feito em conformidade com o disposto no Decreto 5.940/2006.
(Acórdão nº 2380/2012 - TCU - 2ª Câmara – Relator: Aroldo Cedraz, DOU 20/04/12) (Grifos nossos)
Portanto, é de suma relevância que os órgãos assessorados sempre observem as diretrizes de sustentabilidade ambiental quando da da contratação, de modo que contemplem os critérios e os atos normativos (v.g. Lei nº 12.462/11, Lei nº 12.305/00, Decreto nº 7.746/12, entre outros), incluídos os compromissos internacionais. Não se pode olvidar que às vezes a exigência de determinado requisito ambiental deriva também de comandos normativos editados por órgãos de proteção ao meio ambiente (Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, IBAMA, Ministério do Meio Ambiente, etc.). Em casos de lacunas, o órgão assessorado deverá fundamentar tecnicamente sua opção, de acordo as especificações do objeto que atendam às exigências ambientais.
O DEPCONSU-PGF bem apontou que "os critérios e práticas de sustentabilidade serão exigidos por vezes como especificação técnica do objeto; por vezes como obrigação da contratada; e por vezes como requisitos de habilitação técnica ou jurídica, seja na execução dos serviços/obras contratados, seja no fornecimento de bens", preservado o caráter competitivo. Assim, resta superada a confusão entre os critérios de aceitabilidade da proposta, que são exigidos como especificação técnica do objeto ou como obrigação da contratada, e os requisitos pertinentes à habilitação (arts. 27 a 31 da da Lei nº 8.666/93).
Nessa linha, o Guia Prático de Licitações Sustentáveis da CJU/SP, com espeque no art. 17, inciso II, da Lei nº 6.938/81 e na IN nº 6/2013 do IBAMA, expõe que, no caso de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais (fabricação ou industrialização de produtos) há a exigência de que o produto oferecido pela licitante tenha procedência de fabricantes que possuam regularidade no CTF do IBAMA. No entanto, isso ocorre enquanto critério de aceitabilidade da proposta.
Se fosse exigida como critério de habilitação, especificamente qualificação técnica ou econômica, há que se analisar se decorre da Constituição Federal e de leis especiais, bem como se é indispensável à garantia do cumprimento regular das obrigações. O magistério jurisprudencial da Suprema Corte, nesse ponto, é no sentido de que:
“É inconstitucional o preceito segundo o qual, na análise de licitações, serão considerados, para averiguação da proposta mais vantajosa, entre outros itens, os valores relativos aos impostos pagos à Fazenda Pública daquele Estado-membro. Afronta ao princípio da isonomia, igualdade entre todos quantos pretendam acesso às contratações da administração. (...) A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível” (ADI 3.070, rel. min. Eros Grau, j. 29-11-2007, P, DJ de 19-122007).
Portanto, não é demais assentar que a exigência em face de licitante, para fins de comprovação da regularidade do registro de fabricante de produto a ser fornecido à Administração Pública, decorre, sim, dos comandos constitucionais e, além disso, de imposição legal, consoante a Lei nº 6938/81.
No entender do DEPCONSU-PGF, efetivamente, "caso a própria atividade de comercialização de determinado produto demande inscrição no CTF, tal exigência será feita como requisito de habilitação, consoante será demonstrado linhas abaixo, muito embora o Guia Prático trate da situação apenas como 'serviço'". Exemplifica, ainda, com outras hipóteses em que poderá configurar critério de habilitação, na linha do Guia Prático de Licitações Sustentáveis da CJU/SP:
Quando a hipótese for relativa a decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no País, e ato de registro ou autorização para funcionamento, expedido pelo órgão competente, quando atividade assim o exigir (acréscimo nosso)
A apresentação do Certificado de Registro no órgão ambiental competente (no caso do Estado do Rio de Janeiro no Instituto Estadual do Ambiente-INEA), válido na data de abertura da licitação, é uma exigência feita com vistas a observar o art. 10 da Lei nº 6.437, de 1977, combinado com o inciso IV do art. 30 da Lei nº 8.666/93 (talvez fosse mais adequado combinar com a segunda parte do inciso V do art. 28 da Lei nº 8.666, de 1993, que trata da habilitação jurídica). No Estado do Rio de Janeiro, o Certificado de Registro no INEA supre a necessidade de licença para funcionamento emitida por autoridade sanitária competente prevista no art. 10 da Lei nº 6.437, de 1977. Trata-se legitimamente de requisito de habilitação exigido pela Lei nº 8.666, de 1993.
Assistência e responsabilidade de um técnico legalmente habilitado para funcionar (acréscimo nosso)
A declaração de qualificação técnica conforme o disposto no art. 37 do Decreto n° 4.074, de 2002 (Regulamenta a Lei nº-7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.), de acordo com o qual a empresa deve dispor da assistência e responsabilidade de um técnico legalmente habilitado para funcionar é outro requisito de sustentabilidade que está previsto como requisito de habilitação técnica, nos termos do artigo 30, inciso V, da Lei nº 8666, de 1993.
O Guia Prático de Licitações Sustentáveis da CJU/SP também demonstra e faz a distinção da aplicação dos critérios de sustentabilidade como requisito de habilitação ou critério de aceitabilidade da proposta, tal como frisado pelo DEPCONSU-PGF ao tratar especificamente das pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a atividade, potencialmente poluidoras e/ou a extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente, assim como de produtos e subprodutos da fauna e flora. Ao exemplificar a distinção, o Guia trouxe a lume uma situação em que o licitante desempenha diretamente as atividades que afetam o meio ambiente, e não o fabricante (foco da presente manifestação).
Nesse caso, diferentemente do item acima, o licitante desempenha diretamente as atividades poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais, de modo que deverá obrigatoriamente estar registrado no Cadastro Técnico Federal - CTF do IBAMA.
Assim, o registro no CTF deve ser exigido como requisito de habilitação jurídica do licitante, conforme art. 28, V, da Lei n° 8.666/93.
Para melhor compreensão, é salutar expor as seguintes ponderações do DEPCONSU-PGF sobre a distinção, in verbis:
81. Acredita-se que a razão está com o Guia. O registro de determinadas empresas no Cadastro Técnico Federal é obrigatório para pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras e/ou à extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente, assim como de produtos e subprodutos da fauna e flora.
82. Por força do registro obrigatório, essas empresas são passíveis de controle ambiental e, conforme a atividade que realizam, devem entregar o Relatório Anual de Atividades e fazer o pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA. O registro no CTF é um instrumento para a fiscalização e o monitoramento dessas empresas. O fato gerador da TCFA é o exercício regular do poder de polícia conferido ao IBAMA para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.
83. Nessa linha, da mesma forma que a Administração Pública não se pode ver obrigada a adquirir produtos que não tenham sua origem legal garantida ou que não tenham um mínimo de controle de procedência, também não deve ser obrigada a contratar empresas que se dedicam a atividades potencialmente poluidoras e/ou à extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente, assim como de produtos e subprodutos da fauna e flora, sem que tenha um mínimo de critério na escolha dessas empresas; sem que tenha um mínimo de segurança para a Administração na contratação do serviço ou na aquisição do produto, cuja comercialização em si já demanda obrigatoriedade de inscrição e regularidade da licitante no CTF.
84. O mesmo tratamento é dado pelo Guia Prático no caso de exigência de registro no CTF para o cadastro de INSTRUMENTOS DE DEFESA AMBIENTAL, que abrange a contratação de consultoria técnica sobre problemas ecológicos e ambientais, ou contratação de aquisição, instalação ou manutenção de equipamentos, aparelhos e instrumentos destinados ao controle de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (art. 17, I, da Lei n° 6.938, de 1981). Ou seja, a exigência de inscrição no CTF acompanhado do respectivo Certificado de Regularidade será exigido como requisito de habilitação da licitante, quando tais serviços forem objeto de licitação.
85. O registro no CTF é obrigatório. Não precisa dizer mais nada. Ou tem e está regular ou não tem e/ou não está regular. A licitante que não estiver regular no momento da habilitação não será contratada. Simples assim.
86. Ademais, a afirmação de que os artigos 27 a 31 da Lei Geral de Licitações e Contratos enumeram um rol exaustivo de documentos que poderão ser exigidos na etapa de habilitação das candidatas à contratação não é de todo correta. Pelo menos dois dos dispositivos citados dão abertura para inclusão de diversos documentos e comprovações, desde que essas exigências sejam previstas em lei especial, tenham pertinência com a contratação a ser realizada e não frustrem desarrazoada mente a isonomia e o caráter competitivo do certame. Ou seja, não pode o Edital inovar nos requisitos de habilitação, quando essa exigência não encontrar suporte em lei.
[...]
88. A exigência de inscrição no CTF é um requisito previsto em lei especial e é também ato de registro para funcionamento expedido pelo órgão competente. Se tem registro regular, muito bem. Nada acontece. Se não tem registro regular, a empresa deve ser autuada pelo IBAMA.
89. A empresa que esteja obrigada pela legislação e não se cadastra no CTF está funcionando irregularmente. Não se pode dar interpretação tão restritiva ao inciso V do art. 28 da Lei nº 8.666, de 1993. Também não se está dando interpretação ampliativa. O que se pretende é apenas interpretar o referido dispositivo diante do novo e atual contexto de necessidade de cumprir o princípio insculpido no art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, de promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
[...]
92. Por outro lado, não se pode exigir a comprovação de inscrição e regularidade no CTF para alguma atividade que a licitante também pratique e que está sendo licitada, mas que não demande cadastro obrigatório. Aí sim seria ilegítimo e causaria restrição indevida da competição. A exigência deve ter, portanto, total pertinência com a contratação a ser realizada, para que não frustre desarrazoadamente a isonomia e o caráter competitivo do certame.
93. Nesse ponto, cabe concordar com a tese que defende a limitação da exigência de regularidade ambiental no CTF apenas àquelas atividades principais da licitante que estão sendo licitadas. Para que outras atividades que não possuam pertinência com o objeto da licitação e que porventura não estejam regulares não inviabilizem a contratação.
As linhas acima dão razão ao DEPCONSU-PGF sobre a natureza multidimensional da exigência de cadastro no CTF, se critério de aceitabilidade da proposta ou requisito de habilitação. No que tange à saber se a exigência de CTF direcionada a fabricante, cuja comprovação e apresentação da regularidade é endereçada ao licitante, algumas ponderações devem ser realizadas, especialmente com relação a crítica de exigir deste conduta pertinente a terceiros (v.g. fabricante) no âmbito do certame licitatório. É que, como dito, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado possui duas dimensões, a objetiva e a subjetiva.
Quanto à primeira, por demais importante para o presente caso, há quase 59 (cinquenta e nove anos) anos o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tratou do tema, no caso Lüth (Veit Harlan versus Eric Lüth, judeu presidente do Clube de Imprensa). Em sua decisão, foi explicitamente destacada a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, conforme demonstram os seguintes excertos da decisão:
Decisão (Urteil) do Primeiro Senado de 15 de janeiro de 1958
— 1 BvR 400/51 —
[...]
A questão fundamental, de se saber se normas de direito fundamental exercem um efeito sobre o direito civil e como esse efeito precisaria ser visto em cada caso, é controvertida (…). As posições mais extremas nesta discussão apresentam-se, de um lado, pela tese de que os direitos fundamentais seriam exclusivamente direcionados contra o Estado; por outro lado, apresenta-se a concepção de que os direitos fundamentais, ou pelo menos alguns, no mínimo os mais importantes entre eles, também valeriam nas relações jurídico-privadas, vinculando a todos. (…). Também agora não existe motivo para discutir exaustivamente a questão controvertida sobre a “eficácia horizontal”. Para se chegar aqui a uma conclusão adequada ao presente problema, basta o seguinte: Sem dúvida, os direitos fundamentais existem, em primeira linha, para assegurar a esfera de liberdade privada de cada um contra intervenções do poder público; eles são direitos de resistência do cidadão contra o Estado. Isto é o que se deduz da evolução histórica da ideia do direito fundamental, assim como de acontecimentos históricos que levaram os direitos fundamentais às constituições dos vários Estados. Os direitos fundamentais da Grundgesetz também têm esse sentido, pois ela quis sublinhar, com a colocação do capítulo dos direitos fundamentais à frente [dos demais capítulos que tratam da organização do Estado e constituição de seus órgãos propriamente ditos], a prevalência do homem e sua dignidade em face do poder estatal. A isso corresponde o fato de o legislador ter garantido o remédio jurídico especial para a proteção destes direitos, a Reclamação Constitucional, somente contra atos do poder público. Da mesma forma é correto, entretanto, que a Grundgesetz, que não pretende ser um ordenamento neutro do ponto de vista axiológico (BVerfGE 2, 1 [12]; 5, 85 [134 et seq., 197 et seq.]; 6, 32 [40 s.]), estabeleceu também, em seu capítulo dos direitos fundamentais, um ordenamento axiológico objetivo, e que, justamente em função deste, ocorre um aumento da força jurídica dos direitos fundamentais (…). Esse sistema de valores, que tem como ponto central a personalidade humana e sua dignidade, que se desenvolve livremente dentro da comunidade social, precisa valer enquanto decisão constitucional fundamental para todas as áreas do direito; Legislativo, Administração Pública e Judiciário recebem dele diretrizes e impulsos. Desta forma, ele influencia obviamente o direito civil. Nenhuma norma do direito civil pode contradizer esse sistema de valores, cada norma precisa ser interpretada segundo o seu espírito. O conteúdo normativo dos direitos fundamentais enquanto normas objetivas desenvolve-se no direito privado por intermédio do veículo (Medium) das normas que dominem imediatamente aquela área jurídica. Assim como o novo direito precisa estar em conformidade com o sistema axiológico dos direitos fundamentais, será, no que tange ao seu conteúdo, o direito pré-existente direcionado a esse sistema de valores; dele flui para esse direito pré-existente um conteúdo constitucional específico, que a partir de então fixará a sua interpretação. Uma lide entre particulares sobre direitos e obrigações decorrentes destas normas comportamentais do direito civil influenciadas pelo direito fundamental permanece, no direito material e processual uma lide cível. Interpretado e aplicado deve ser o direito civil, ainda que sua interpretação tenha que seguir o direito público, a Constituição.
A influência dos critérios axiológicos do direito fundamental se faz notar sobretudo em face daquelas normas do direito privado que encerrem direito cogente e que constituam assim uma parte da order public lato sensu, i.e., junto aos princípios, os quais, em razão do bem comum, devam ser vigentes também na formação das relações jurídicas entre os particulares e por isso sejam retirados do domínio da vontade privada. Estas normas têm, em razão de seu propósito, um grau de parentesco próximo ao direito público, ao qual elas se ligam de maneira complementar. Elas precisam estar submetidas de modo intenso à influência do direito constitucional. A jurisprudência serve-se sobretudo de “cláusulas gerais” para a realização desta influência, que, como § 826 BGB, remetem para o julgamento do comportamento humano a critérios extra-cíveis ou até a critérios extra-jurídicos, como os “bons costumes”. Pois para a decisão a respeito da questão sobre o que tais mandamentos sociais exigem no caso concreto, tem-se que, em primeiro lugar, partir do conjunto de concepções axiológicas, as quais um povo alcançou numa certa época de seu desenvolvimento cultural e que foram fixadas em sua Constituição. Por isso, foram as cláusulas gerais com propriedade alcunhadas de “pontos de entrada” (Einbruchstellen) dos direitos fundamentais no direito civil (Dürig, in: Neumann, Nipperdey, Scheuner, die Grundrechte, Tomo II, p. 525).
O juiz tem que, por força de mandamento constitucional, julgar se aquelas normas materiais de direito civil a serem por ele aplicadas não são influenciadas pelo direito fundamental da forma descrita; se isso ocorrer, então ele precisa observar a modificação do direito privado que resulta desta influência junto à interpretação e aplicação daquelas normas. Este é o sentido da vinculação do juiz cível aos direitos fundamentais (Art. 1 III GG). Se ele falhar na aplicação destes critérios e se sua sentença se basear na inobservância desta influência constitucional sobre as normas de direito civil, ele irá não somente infringir o direito constitucional objetivo, na medida em que ignorará o conteúdo da norma de direito fundamental (enquanto norma objetiva), mas também violará, por meio de sua decisão e uma vez investido do poder público, o direito fundamental a cuja observância pelo Judiciário o cidadão também tem o direito subjetivo constitucional. [...] precisa avaliar tão somente o chamado “efeito de radiação” (Ausstrahlungswirkung) dos direitos fundamentais no direito civil e fazer valer também para aquele ramo jurídico o conteúdo axiológico da prescrição constitucional. O sentido do instituto da Reclamação Constitucional é fazer com que todos os atos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário possam ser avaliados no que tange à sua consonância com os direitos fundamentais (§ 90 BVerfGG). [...]
[...]
SCHWAB, Jürgen. Cinqüenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão. Org: Leonardo Martins Montevideo: Konrad Adenauer Stiftung, 2006.
O Prof. Robert Alexy, em conhecida passagem doutrinária, explicou a contribuição do Tribunal, de modo mais didático, com os seguintes palavras:
A primeira ideia foi a de que a garantia constitucional de direitos individuais não é simplesmente uma garantia dos clássicos direitos defensivos do cidadão contra o Estado. Os direitos constitucionais incorporam, para citar a Corte Constitucional Federal, ‘ao mesmo tempo uma ordem objetiva de valores’. Mais tarde a Corte fala simplesmente de ‘princípios que são expressos pelos direitos constitucionais’. Assumindo essa linha de raciocínio, pode-se de dizer que a primeira ideia básica da decisão do caso Lüth era a afirmação de que os valores ou princípios dos direitos constitucionais aplicam-se não somente à relação entre o cidadão e o Estado, muito além disso, à ‘todas as áreas do Direito’. É precisamente graças a essa aplicabilidade ampla que os direitos constitucionais exercem um “efeito irradiante” sobre todo o sistema jurídico. Os direitos constitucionais tornam-se onipresentes (unbiquitous). A terceira ideia encontra-se implícita na estrutura mesma dos valores e princípios. Valores e princípios tendem a colidir. Uma colisão de princípios só pode ser resolvida pelo balanceamento. A grande lição da decisão do caso Lüth, talvez a mais importante para o trabalho jurídico cotidiano, afirma, portanto, que: “Um ‘balanceamento de interesses’ torna-se necessário”.
Alexy, Robert. 2003. Direitos Fundamentais, Racionalidade e Balanceamento. In Ratio Juris. Vol. 16, n. 2, junho de 2003 (p. 131-40)
A dimensão objetiva do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado já produz, por si só, deveres jurídicos protetivos a serem observados por todos os envolvidos nas transferências de domínio de produtos e bens, o que dá ainda mais suporte à configuração de determinadas obrigações ambientais como de natureza propter rem. Nesse cenário, incide tanto a eficácia vertical dos direitos fundamentais (relações entre Estado e particulares), quanto a eficácia horizontal (Drittwirkung) - entre particulares - e, em consequência, o fabricante, o licitante e os atores estatais têm deveres de proteção que podem ser extraídos dos dispositivos constitucionais autoaplicáveis.
Aliás, conforme a jurisprudência iterativa do STJ (cf. REsp Nº 1.276.114 - MG/2016), isso inclusive afasta quaisquer questionamentos sobre eventual boa-fé de algum dos integrantes da cadeia produtiva ou sobre nexos causais que ultrapassam a transmissão da titularidade. Com efeito, não procedem as alegações de que não se pode exigir de outrem (v.g. licitante) condutas que guardam liame ou pertinência com deveres jurídicos atribuídos a terceiros (v.g. fabricante), especialmente se houve alguma ligação entre ambos (v.g. a produção do bem ou produto, a comercialização e o fornecimento), ainda que remota ou após a interposição de diferentes pessoas, na cadeia econômico-produtiva.
Ademais, todos os indivíduos sujeitos ao ordenamento jurídico brasileiro e internacional - a que o Brasil tenha manifestado adesão - são obrigados a tolerar e a obedecer mandamentos provenientes do Estado-Administração e do Estado-Juiz. Para isso, é preciso ser constatada a existência de norma jurídica constitucional apta a incidir diretamente sobre a relação jurídica, não haja vulneração ao núcleo essencial de outros direitos fundamentais incidentes, observado o princípio da “concordância prática” e, além disso, o objetivo seja legítimo e a situação jurídica passe pelo crivo do postulado normativo da proporcionalidade.
A incidência direta de dispositivos constitucionais, sem a intermediação de lei formal, deve ser vista como excepcionalíssima, mas possível caso haja respaldo ético-jurídico. No Brasil, há o exemplo da vedação ao nepotismo, construído pelo Supremo Tribunal Federal, expresso no acórdão a seguir colacionado:
Ementa: Administração Pública. Vedação nepotismo. Necessidade de lei formal. Inexigibilidade. proibição que decorre do art. 37, caput, da CF. RE provido em parte.
I - Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita.
II - A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática.
III - Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.
(RE 579951, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgamento em 20.8.2008, DJe de 24.10.2008)
As restrições ao direito ambiental, sim, deveriam ser todas previstas em leis formais e/ou materiais, diferentemente das proteções ao direito ambiental, as quais podem emanar inclusive da aplicação direta de dispositivos constitucionais, tendo em vista a eficácia paralisante em face de atos normativos ou concretos/materiais que estejam em descompasso com seus preceitos. Basta ver o tratamento diferenciado dado pelo constituinte originário, que não pode passar desapercebido:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (Regulamento)
Consequentemente, a ampliação dos espaços territoriais especialmente protegidos dispensa a necessidade de lei formal, a possibilitar a utilização de outros instrumentos normativos infralegais (v.g. decretos), o que revela flexibilização em favor da proteção e maior rigor quanto à alteração e supressão.
Quanto à inadimplência no pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA, que acaba por ocasionar a irregularidade no CTF, não há que se falar em constrangimento e coação ilegais, de modo a configurar sanção política, a fim de obter pagamento de tributos por vias transversas. Tanto essa situação, quanto a ausência de regularidade no tocante aos Relatórios de Atividades Ambientais, autuações por registros incorretos em categorias incorretas, irregularidades parciais(apenas em algumas atividades exercidas) e, por fim, a situação ligada a produtos importados, foram corretamente enfrentadas pelo DEPCONSU-PGF, in litteris:
114. Todas essas situações, com exceção da letra "d", geram a irregularidade no CTF da empresa obrigada ao cadastro.
115. Rapidamente mencionar-se-á cada uma dessas situações. Com relação à letra "a" (empresa com registro no CTF, mas que não tenha regularidade no Relatório de Atividades Ambientais), trata-se da situação mais grave para a empresa. O Relatório de Atividades Ambientais parece ser o instrumento mais efetivo de controle dessas atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais que demandam o exercício do poder de polícia ambiental do Estado. Caso a empresa não apresente tais relatórios, estará ela cometendo uma irregularidade grave, capaz de gerar sua situação de irregularidade no CTF. Assim, com toda razão será essa empresa prejudicada pela sua incapacidade de se manter regular e não há injustiça nenhuma nisso. A manutenção de sua regularidade é obrigação determinada em lei, sob pena de a empresa perder negócios com a falta de regularidade.
116. Com relação à letra "b" (empresa com registro no CTF, mas autuada por registro incorreto em categoria incorreta). trata-se de situação que se considera da essência do registro. Fazer o registro incorreto e quase que a mesma coisa de não fazer o registro. É obrigação da empresa se informar com o IBAMA sobre qual é a forma correta de fazer o seu cadastro no CTF. Trata-se de cumprimento da obrigação legal em sua essência. Portanto, não se vislumbra qualquer óbice em relação a esse ponto. Da mesma forma que a ausência de entrega dos Relatórios de Atividades Ambientais gera a irregularidade no CTF, também o registro incorreto trará todos os prejuízos consectários da atuação equivocada da empresa obrigada a manter-se regular no CTF.
117. Já com relação à letra "c" (empresa que se dedica a várias atividades, com problemas em CTF em algumas delas e não em outras). entende-se que tal questão já foi enfrentada quando se tratou da limitação da exigência de regularidade ambiental no CTF nos termos do que foi exposto nos itens 92-94 supra. Estando, portanto, superada a questão.
118. Em suma, será a incúria da própria empresa fabricante dos produtos ou das próprias licitantes que precisam estar com o CTF regular que levará à não aceitação de seus produtos ou inabilitação, a depender do caso, em uma licitação/contratação com a Administração Pública.
119. No tocante a bens importados, adota-se o entendimento exposto no PARECER Nº 2492/2013/TVB/CjU-SP/CGU/AGU, da lavra de Teresa Villac Pinheiro Barki, Advogada da União. PROCESSO Nº 00443.000086/2013-94. ÓRGÃO ASSESSORADO: FAZENDA DA AERONÁUTICA DE PIRASSUNUNGA. ASSUNTO: Consulta - Cadastro Técnico Federal em licitações, no sentido de que
a inserção do Cadastro Técnico Federal em certames de aquisições públicas somente se restringe aos casos em que ele é exigido por legislação ou norma ambiental. Caso haja lei, norma ambiental ou acordo setorial que preveja a obrigação ao comerciante de deter o CTF de bem importado, será autorizado inserir a obrigação no certame.
120. Adota-se esse entendimento, pela inviabilidade prática de se fazer o rastreamento da legalidade ambiental da cadeia produtiva do bem que será adquirido pela Administração Pública do produto importado, da mesma forma que pode ser feito com o produto nacional. Todavia, trata-se de fragilidade a ser enfrentada pela Administração Pública, que ficará, de certa forma, refém de produtos estrangeiros que sequer se sabe se foram produzidos sob a supervisão de algum órgão ambiental competente e se esse produto respeitou, em sua fabricação/industrialização, critérios socioambientais. Por outro lado, caso haja a exigência de inscrição e regularidade no CTF de quem comercializa produtos importados, a exigência editalícia se impõe.
121. Por fim, com relação ao argumento de que, se a inadimplência no pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental configurar óbice à celebração do contrato, tratar-se-á de constrangimento de pagamento de dívida ou meio transverso do pagamento de tributos, há que se argumentar que essa nunca foi a intenção da exigência de CTF, seja ela como critério de aceitabilidade da proposta, seja ela como requisito de habilitação.
122. Em momento algum, tal exigência foi utilizada como subterfujo à cobrança da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA. Entende-se que o pagamento da Taxa é uma das formas de se manter a efetiva fiscalização das empresas obrigadas ao registro no CTF.Trata-se de tributo contraprestacional. Paga-se a taxa em razão do exercício do poder de polícia ambiental. Se a taxa não for recolhida, haverá prejuízos ao efetivo exercício desse poder de polícia. Assim, a empresa obrigada ao cadastro deve fazer sua parte, cumprindo essa importante obrigação.
124. Ademais, não é qualquer registro no CTF que demanda o pagamento de TCFA. Portanto, ainda que se adote esse argumento como legítimo, tal argumento não se prestaria para afastar todas as situações de exigência de regular inscrição no CTF nas licitações sustentáveis.
Ademais, as soluções reveladas acima também estão de acordo com o princípio da proporcionalidade e seus elementos (adequação, necessidade/exigibilidade, proporcionalidade em sentido estrito), pois o próprio sítio eletrônico do IBAMA permite consulta ao Cadastro Técnico Federal, tanto pelo licitante quanto por quem conduz o procedimento licitatório em suas variadas etapas, independentemente de ter certificado digital para acesso. Dessa maneira, em regra, este dever jurídico imposto e o meio pelo qual atingido não demonstra onerosidade excessiva ao licitante, a ponto de comprometer a participação ou competitividade no certame licitatório.
Por fim, não se pode desprezar o princípio da proibição de retrocesso, vez que seu campo de incidência abarca tanto o poder legiferante propriamente dito, exercido pelo "Poder" Legislativo, quanto a atuação concreta dos demais "Poderes", especialmente a função executiva. Por exemplo, para fins de averiguar se o poder de legislar fora exercido de modo legítimo ou se o poder regulamentar não padece de vícios como o abuso de poder ou o desvio de finalidade.
Deveras, os argumentos contrários às exigências ambientais em face dos licitantes devem ser submetidos ao crivo do referido princípio, à luz do caso concreto, pois a partir do momento em que a proteção ambiental é reduzida, a Constituição desfere a marca da possível inconstitucionalidade, que só deve ser apagada após justificativas ético-jurídicas que se coadunam com os discursos constitucional e internacional. Concomitantemente, como dito, ser submetidos ao postulado da proporcionalidade, eventualmente a concordância prática e sem perder de vista o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.
III - CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTOS
À conta de todo o exposto, arremata-se com as conclusões a seguir alinhavadas:
a) A dimensão objetiva do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto na Constituição Federal (art. 225, caput) e em tratados internacionais, bem como a natureza propter rem das relações jurídico-ambientais atinentes à transferência de titularidade de coisas, permitem concluir que a Administração tem o dever constitucional de exigir nas contratações públicas os critérios de sustentabilidade socioambiental, entre eles o registro no Cadastro Técnico Federal, acompanhado do respectivo Certificado de Regularidade válido, nos termos da Lei nº 6.938/81 e da Instrução Normativa nº 6/2013, do IBAMA;
b) Os critérios e práticas de sustentabilidade podem ser exigidos como critério de aceitabilidade da proposta (v.g. especificação técnica do objeto, obrigação contratual) ou enquanto requisito de habilitação, a depender da situação jurídica. Nesta última hipótese, com espeque na Lei nº 8.666/93, devem contar com previsão normativa em leis esparsas, consoante os arts. 30, IV, e 28, V, constatada a ligação com o objeto contratado e, ainda, observar os princípios da isonomia, proporcionalidade e competitividade;
c) Nessa ordem de ideias, é constitucionalmente adequado exigir dos licitantes que apresentem a comprovação da inscrição e da regularidade dos fabricantes junto ao CTF do IBAMA, observados os atos normativos que impõem o cadastramento no banco de dados, com todas as consequências correspondentes.
d) O Guia Prático de Licitações Sustentáveis da CJU/SP é relevante instrumento acerca da matéria, apto a orientar o público acerca da exigência de inscrição e regularidade no CTF do IBAMA, especialmente acerca do seu enquadramento como critério de aceitabilidade de proposta ou, em outro viés, enquanto requisito de habilitação;
e) Os argumentos contrários às exigências dessa natureza em face dos licitantes devem ser submetidos ao crivo do princípio da proibição do retrocesso ambiental, à luz do caso concreto, porquanto a mitigação da proteção ambiental induz presunção de inconstitucionalidade, ressalvadas as justificativas técnicas e jurídicas que se coadunem com os discursos constitucional e internacional, observado o postulado normativo da proporcionalidade e, eventualmente, a concordância prática; por fim,
f) É imperioso cientificar todas as unidades consultivas da Advocacia-Geral da União, mormente o DEPCONSU/PGF, a CJU-SP e a CJU-RS, com o desiderato de divulgar o entendimento consolidado acerca da controvérsia jurídica.
À consideração superior.
Brasília, 12 de maio de 2016.
JOÃO PAULO CHAIM DA SILVA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 64539000917201422 e da chave de acesso 64a97649